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O retrato da voz
PublishNews, Gustavo Martins de Almeida, 10/02/2022
Em novo artigo, Gustavo Martins de Almeida fala sobre um recurso atrativo para o crescente mercado do áudio

Não é novidade a constatação de uma das grandes descobertas do futuro ser a redescoberta do ado. 5d6l6t

Os livros em áudio começaram basicamente em gravações feitas em fitas cassete, para pessoas deficientes visuais ou para aprendizado de línguas, com a possibilidade de se ouvir a pronúncia de outro idioma. Antes disso, disquinhos coloridos tocavam histórias infantis.

Hoje, a utilização de voz nas máquinas vem crescendo enormemente e abrange não só os livros, como manuais técnicos, aparelhos de localização geográfica, comando de assistentes caseiros etc.

No estágio atual, o padrão exposto nos contratos de direito autoral para a edição de audiobooks tem sido o de estipular a narrativa linear do texto, em uma só voz, sem emoção. Como já disse numa coluna anterior (A voz do livro, o livro da voz | PublishNews), tudo indica que a narrativa emocional tipo “rádio novela” ocupará seu espaço.

Mas outro ponto surge – que somente o audiobook comporta – o de permitir a quem escreva biografias, baseadas em entrevistas feitas com o biografado, “transcrever” a voz registrada na gravação original, como citação auditiva.

Assim, é possível que o audiobook conte determinada agem a respeito de um biografado, ou de um personagem, e esta seja complementada por uma citação em áudio original do protagonista.

O livro fica mais atrativo com o realismo sonoro, decorrente da presença vocal do biografado, ou da pessoa em torno da qual gira o enredo do livro.

Um registro histórico curioso: pode-se recriar o perfume de Cleópatra, com base nos textos e fórmulas descritivos da época, pode-se refazer a receita de pratos de Brillat Savarin, é possível executar-se uma sinfonia de Mozart, com base na partitura encontrada, ou apreciar-se um quadro retratando determinado personagem histórico.

No entanto, somente a partir do registro sonoro de Graham Bell, Thomas Edson e outros, em máquina com agulha e cilindro de cera, é que pôde ser ouvida a voz registrada de personagens.

Como teria sido um grito de Independência ou Morte, ou o tom usado no alea jacta est, ou ainda o timbre sonoro de personagem que pronunciou discurso histórico? Isso não se saberá.

Com o audiobook ganha destaque o recurso de perpetuar a voz do biografado na própria biografia. Já mencionei aqui também (Papel, tela, fone de ouvido | PublishNews) o impressionante fenômeno da verbalização do discurso que John Kennedy pronunciaria em 23/11/1963, data em que foi assassinado em Dallas. O texto datilografado do discurso foi inserido em computador previamente alimentado com a voz e entonações do Presidente, em outros discursos gravados, e a máquina sonorizou o texto seco.

Indispensável a repercussão desses fatos na área jurídica, já que as editoras deverão receber do biografado não só autorização para divulgar dados sobre a sua vida, mas também licença para uso de sua voz, com ou sem exclusividade, na publicação do audiobook.

É mais um recurso atrativo para o crescente mercado desse tipo de livros, que vai aos poucos ganhando espaço no público ouvinte, principalmente na faixa jovem.

Do mesmo modo que a fotografia ilustra o texto escrito, a citação, a transcrição de trecho com voz original realça a narrativa, dá outro patamar sonoro, é um “retrato auditivo”.

Identificar um livro pela voz do biografado ou poder ouvir um trecho do audiobook numa loja de venda de produtos audiovisuais é uma nova frente que se abre para os mercados editorial e publicitário, e ainda encosta no aspecto histórico do registro do timbre de voz do personagens retratados em livros.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem pós-doutorado pela USP. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é [email protected].

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

[10/02/2022 08:00:00]
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