Três Perguntas do PN para Ulisses Neto
PublishNews, Guilherme Sobota, 17/12/2024
Jornalista e documentarista escreveu o livro 'Adriano: Meu medo maior' (Planeta), com as memórias do jogador de futebol conhecido como Imperador

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Neste último fim de semana, o jogador de futebol Adriano Leite Ribeiro – que ganhou na Itália o apelido de Imperador, nada mais, nada menos – fez a sua despedida oficial dos gramados depois de uma das trajetórias mais particulares da história recente do futebol mundial. Jogador de primeiro nível global, vencedor em diversos clubes e camisas (como da Inter de Milão, do Flamengo, do São Paulo e da Seleção Brasileira), Adriano lidou com problemas pessoais durante sua história no esporte, cuja história foi fortemente marcada pela morte do pai, em 2004.

O jogo realizado no Maracanã com a presença de muitas estrelas do mundo do futebol teve diversas emoções – muitas delas podem ser agora rememoradas na voz do jogador no livro Adriano: meu medo maior (Planeta), narrado em primeira pessoa por Adriano e escrito pelo jornalista e documentarista Ulisses Neto. Ulisses respondeu a três perguntas do PN.

– O livro nasce de uma entrevista (um projeto audiovisual) para o The Players' Tribune, em que a ideia é justamente que os jogadores narrem em primeira pessoa suas histórias. Naquele momento já havia a ideia do livro? O Adriano já tinha topado?

Sim. A ideia do livro já existia. Mas eu não estava envolvido ainda. Assim que terminamos a entrevista para a The Players’ Tribune, eu sabia que tinha material riquíssimo nas mãos. O Adriano ainda não havia falado sobre a sua carreira com tanta vivacidade. Antes de deixar o apartamento na Barra da Tijuca onde gravamos, agradeci pelas palavras sinceras que ele compartilhou comigo e com o fotógrafo Sam Robles, meu parceiro criativo na TPT. Estávamos certos de que a repercussão seria avassaladora. O Adriano então me respondeu dizendo “você não viu nada. No meu livro vou contar tudo.” À época, ele tinha acordo com uma editora italiana. A missão de produzir o livro estava com um escritor europeu.

Meses depois do nosso primeiro encontro, quando a entrevista da TPT já estava no ar, a assessora do Adriano, Renata Battaglia, me chamou para um café em São Paulo e contou sobre o rompimento do acordo com os europeus. O Adriano estava tão desapontado que decidiu quebrar o contrato e devolver o adiantamento bastante lucrativo que havia recebido. Ela então me convidou para assumir o livro. Podemos dizer que este projeto caiu no meu colo, felizmente.

– Ele é conhecido por ser um cara recluso, avesso à imprensa, e isso é também um dos temas mais presentes no livro. Como foi a sua aproximação com ele, a construção da confiança e as entrevistas?

Cresci em Santos (SP) e um dos artistas mais conhecidos da minha cidade escreveu a seguinte frase: “tem que saber chegar”. O processo de construção de confiança acabou sendo bastante natural. Logo de cara ficou claro para o Adriano que eu seria apenas uma ferramenta para ele contar a história dele – nos seus termos e, principalmente, tempo.

O leitor mais atento vai notar que meu nome sequer aparece na capa (embora haja um espaço generoso dedicado para mim na orelha do livro). Fiz questão de me posicionar em um segundo plano o tempo todo. A minha tarefa era saber ouvir e organizar as memórias de um dos personagens mais controversos do futebol moderno. Mas também era ter paciência para fazer entrevistas e contatos nos momentos em que o Adriano estava disposto. Acreditem, essa foi a parte mais desafiadora. Por sorte, tenho outros trabalhos comerciais que me possibilitaram ar bastante tempo no Rio de Janeiro à espera do Adriano.

Além disso, creio que outros fatores contribuíram para que nossa relação se aprofundasse. Acredito que o fato de eu não ser filho da elite (intelectual ou comerciante), tenha ajudado. Meu fenótipo nordestino, assim como a origem econômica – embora privilegiada em relação a do Adriano – também foram importantes. Parte da minha família frequenta a mesma igreja evangélica que a do Adriano (Congregação Cristã do Brasil). Nem o Adriano nem eu frequentamos a igreja, mas tudo isso, acredito, acabou ajudando na construção dos laços de afinidade que nos permitiram ar muito tempo juntos. Essa convivência intensa está exposta no livro.

Por fim, ressalto que o meu trabalho consiste em conviver com atletas de futebol. Há muitos anos acompanho jogadores de diversos países, sobretudo grandes nomes da Seleção Brasileira, o que também me deu certo conhecimento sobre como lidar com esses personagens.

– Esse é também o seu primeiro livro. Como tem sido essa sua experiência com o mercado editorial? Existe um lugar comum que diz que temos poucos livros sobre futebol, apesar do esporte dominar o país. Além do lançamento já bem sucedido no Brasil, quais são os planos futuros para o livro?

Na primeira reunião que tive com uma editora sobre este livro, ouvi o lugar comum que você cita. “No Brasil, quem gosta de futebol não lê, e quem lê não gosta de futebol.” Me pareceu um contrassenso. Fosse este o caso, um dos grandes biógrafos da nossa língua, ocupante da cadeira número 13 da Academia Brasileira de Letras, não teria dedicado tantos anos de carreira para escrever sobre a vida de Mané Garrincha. Quem respeita Ruy Castro não pode acreditar nisso. Talvez falte interesse em produzir biografias – ou livros de memória, como é o caso de Adriano, meu medo maior – com foco além da mesa redonda, ou das manchetes vazias de redes sociais.

Algumas pessoas me perguntaram sobre como fiz para convencer a editora Planeta a publicar um livro de mais de 500 páginas sobre um jogador popular em todos os sentidos. De fato, contratualmente, eu deveria entregar 200 laudas. Mas a única coisa que tive que fazer foi enviar o primeiro manuscrito. A empolgação da editora foi grande desde então. Ficou claro que a intenção foi produzir um livro de memórias honesto e que apresenta um homem em todas as suas contradições. Cabe ao leitor julgar se o objetivo foi atingido ou não.

De qualquer maneira, começamos a receber propostas de adaptação para obras audiovisuais documentais e de ficção antes mesmo da publicação. O livro também já tem o interesse de diversas editoras europeias e latino-americanas e deve começar a ser publicado no exterior em breve. Acredito que esse interesse também valida o trabalho de certa forma.

Creio ainda que a pesquisa Retratos da Leitura 2024 mostrou um cenário bastante desolador para o mercado editorial brasileiro. É inaceitável que menos da metade da população tenha lido sequer parte de um livro no período em que o estudo foi realizado. É fato que o futebol mobiliza grande parte do nosso país. Que histórias bem contadas do esporte mais popular possam ajudar no processo de conquistar, ou reconquistar, leitores no Brasil.

[17/12/2024 08:00:00]