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Tradição desde a primeira Flip, a escolha do autor homenageado é uma oportunidade de novas leituras de sua obra. Nomes como os dos também poetas Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Ana Cristina Cesar, Hilda Hilst e Maria Firmina dos Reis já foram homenageados. A vida e a obra do autor escolhido são tratadas com profundidade durante o Ciclo do Autor Homenageado, que antecede a Festa e é realizado em São Paulo.
Leminski foi um artista múltiplo. Autor de Catatau, romance experimental lançado nos anos 1970, foi um tradutor criativo, biógrafo erudito, judoca faixa preta, publicitário e músico. Ele é mais conhecido, porém, pela sua poesia pop e iconoclasta.
O autor expandiu seu círculo de amigos e influência para além de sua cidade natal, Curitiba (PR), numa época em que a internet era um sonho distante. Por meio de cartas, viagens precárias e longos telefonemas a partir de sua casa no bairro do Pilarzinho, na capital paranaense, Leminski fez-se presença na cultura brasileira, seja pelo trabalho editorial junto à editora Brasiliense, seja em parcerias com músicos como Caetano Veloso, Moraes Moreira, Jorge Mautner, Guilherme Arantes e Itamar Assumpção.
“A poesia é uma expressão muito cara ao Brasil, país que tem uma relação tão íntima com a música, e o Leminski é uma espécie de embaixador dessa relação, por sua compreensão profunda de que a poesia e a música se misturam para comunicar melhor. Além disso, sua produção em prosa e em textos críticos é fundamental para entender um contexto da produção literária brasileira, que a pelo concretismo, tão importante na poesia brasileira, mas também por um processo de multiplicação, com a poesia marginal, a autopublicação e a democratização literária como um todo”, conta a curadora literária Ana Lima Cecilio sobre o autor escolhido para a homenagem da Flip 2025.
De acordo com a Flip, Paulo Leminski deixou ao Brasil um legado que vai muito além da sua própria obra.
“Paulo Leminski estará presente nas ruas de Paraty enquanto a cidade é ativada por uma Festa em torno da literatura e das artes", afirma Mauro Munhoz, diretor artístico da Flip. "A partir da escrita, Leminski foi um artista dedicado a criar maneiras de transbordar os es convencionais, que pensava a linguagem para que seus textos pudessem extrapolar as formas preestabelecidas – para que assim circulassem, e chegassem àqueles ainda estranhos ao convívio com a poesia. A partir do gesto de tirar as coisas de lugar, é como se ele nos fizesse a pergunta: por que a literatura e as artes não estão mais presentes na vida das pessoas? A partir desse mesmo gesto, Leminski nos ensinou tantas vezes, em haicais e em refrães, que a utilidade da arte é ser arte em primeiro lugar, que a poesia, enquanto linguagem, é infalível em ampliar as fronteiras da nossa imaginação. Há um talento único em Leminski ao criar condições para receber o inesperado, sendo ele um mestre em criar deslocamentos que fazem da arte algo inevitável. Por isso Leminski pensava em formas de fazer literatura a partir da cidade, já a Flip, a seu modo, a partir de um desejo sinérgico, pensa em formas de fazer cidades a partir da literatura em seu campo expandido. Na companhia de Leminski, a 23ª Flip será mais uma vez uma experiência na qual as pessoas poderão viver, ao menos por alguns dias, a utopia na qual a cidade é invadida pela literatura, que transforma a experiência urbana coletiva”.
Vida e obra
Filho do também chamado Paulo Leminski e de Áurea Pereira Mendes, seu pai era de origem polonesa e sua mãe filha de pai português e mãe brasileira de origem negra e indígena. Nascido em Curitiba, estudou no Colégio Estadual do Paraná e depois ou uma temporada no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, onde adquiriu conhecimentos de latim, teologia, filosofia e literatura clássica. Nos anos 1960, ingressou nas faculdades de Direito e de Letras, e em 1963, viajou para Belo Horizonte para participar da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, onde conheceu Haroldo de Campos, amigo e parceiro em várias obras, Augusto de Campos e Décio Pignatari, criadores do movimento poesia concreta.
Estreou em 1964 com cinco poemas na revista Invenção, dirigida por Pignatari. Em 1965, tornou-se professor de história e de redação em cursos pré-vestibulares, após ter abandonado a faculdade. Essa experiência o motivou a escrever seu primeiro romance, Catatau.
Em 1966, ficou em primeiro lugar no II Concurso Popular de Poesia Moderna promovido pelo jornal O Estado do Paraná.
Casou-se em 1968, com a também poeta Alice Ruiz. Entre 1969 e 1970, viveu no Rio de Janeiro, trabalhando para jornais e revistas, retornando em seguinda à Curitiba para trabalhar com publicidade.
Em 1975, lançou o seu ousado Catatau, um romance experimental. Em 1976, publica Quarenta clics em Curitiba em conjunto com Jack Pires, com poemas e fotos. Em 1980, com a iniciativa de amigos, publica Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase. No mesmo ano, sai Polonaises. Todos os livros publicados por Leminski até esse ponto foram publicados de forma independente. Esses dois livros, em conjunto com outras poesias escritas mais tarde, formarão a obra Caprichos e relaxos, publicada em 1983 pela editora Brasiliense por iniciativa do editor Luiz Schwarcz.
A Brasiliense também viria a publicar algumas de suas traduções, como a de Pergunte ao pó, de John Fante. Entre outros nomes que traduziu, estão Petrônio, James Joyce, Samuel Beckett e Yukio Mishima.
Paulo Leminski escreveu uma biografias de Jesus, Matsuo Bashô (poeta japonês), Cruz e Sousa e Leon Trótski. Os trabalhos foram reunidos no volume Vida (Companhia das Letras, 2013).
Entre outros de seus livros, estão Agora é que são elas (1984), Hai Tropikais (1985), em parceria com Alice Ruiz, e Distraídos venceremos (1987).
Leminski teve diversos parceiros musicais em vida como Moraes Moreira, Itamar Assumpção, Zé Miguel Wisnik, Ivo Rodrigues, Fortuna, Edvaldo Santana, Guilherme Arantes, Marinho Galera, Celso Loch, entre outros. Suas composições foram gravadas por nomes como Caetano Veloso, Ney Matogrosso, o grupo A Cor do Som, Paulinho Boca de Cantor, Zizi Possi, Zélia Duncan, Gilberto Gil, Ângela Maria, Ná Ozzetti, Arnaldo Antunes e Vítor Ramil.
Leminski morreu em 7 de junho de 1989, em consequência do agravamento de uma cirrose hepática que o acompanhou por vários anos. Ele deixou duas filhas, Áurea e Estrela Leminski.
Em 2001, o escritor e jornalista Toninho Vaz publicou a biografia Paulo Leminski: O bandido que sabia latim, reeditada recentemente pela Tordesilhas. Em 2013, a compilação da poesia completa Toda poesia, também organizada por Alice Ruiz, que acompanhou a produção da obra, foi um fenômeno de vendas.