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O futuro da edição: governança interna e IA até 2027
PublishNews, José Fernando Tavares, 26/05/2025
Reflexão sobre o assunto parece estar em marcha lenta no mercado editorial, especialmente no Brasil; veja cinco os para as editoras mergulharem de cabeça (e com estratégia) na era da inteligência artificial

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Imagem gerada por inteligência artificial | © Freepik
Imagem gerada por inteligência artificial | © Freepik
Você já ouviu falar no relatório "AI 2027"? Fica comigo neste texto para entender um pouco mais porque ele é importante para sua editora.

Vivemos tempos de aceleração vertiginosa. A cada piscada, uma nova ferramenta de Inteligência Artificial (IA) surge, prometendo revolucionar (ou perturbar) mais um pedaço do nosso cotidiano. E sinceramente isso é um pouco cansativo para quem acompanha este desenvolvimento!

Nesse turbilhão, é fácil se perder entre o hype e o pânico. E para ajudar (ou piorar!) cinco pesquisadores experientes em IA resolveram criar o relatório “AI 2027” sobre as perspectivas de desenvolvimento desta tecnologia nos próximos três anos. Daniel Kokotajlo (ex-OpenAI e autor do texto "What 2026 Looks Like"), Scott Alexander, Thomas Larsen, Eli Lifland e Romeo Dean fundamentam o relatório em tendências e dados atuais, sobre o que pode ser o desenvolvimento da IA nos próximos anos e o impacto que isso pode ter na sociedade.

O texto não é uma profecia, mas um cenário narrativo. O relatório "AI 2027" pinta um quadro onde a IA super-humana não é mais ficção científica distante, mas uma possibilidade palpável até o final desta década. Seus autores preveem um impacto que pode ser maior que o da Revolução Industrial, com agentes de IA transformando radicalmente o trabalho e a própria estrutura social. Eles item que muito é hipótese, mas ainda assim escrevem o relatório para "preencher uma lacuna", articulando um caminho plausível e provocando uma conversa global sobre para onde estamos indo e como podemos navegar em direção a futuros positivos.

É um convite à reflexão. E é precisamente essa reflexão que parece estar em marcha lenta no mercado editorial, especialmente no Brasil.

O elefante (artificial) na sala da editora

A IA já não bate à porta das editoras; ela já entrou, muitas vezes pela porta dos fundos, e está sentada no sofá, muitas vezes sem ser formalmente apresentada. Ferramentas de IA já são usadas, mesmo que discretamente, para otimizar metadados, sugerir palavras-chave para cadastro em livrarias, analisar tendências de mercado, em plataformas de marketing digital, em verificadores gramaticais e de plágio e, sim, em testes (muitas vezes não declarados) de geração de conteúdo, desde sinopses até rascunhos iniciais.

No entanto, essa presença é frequentemente subestimada ou tratada como uma mera ferramenta operacional, e não como o prenúncio de uma mudança de paradigma. O relatório "AI 2027" sugere que a sociedade está "longe de estar preparada" para a superinteligência. O mercado editorial, como microcosmo e formador de opinião, reflete essa falta de preparo. Falamos muito sobre usar o ChatGPT para tarefas pontuais, mas pouco sobre as implicações de sistemas que podem, em poucos anos, redigir, traduzir, editar e até ilustrar com uma proficiência que desafia a capacidade humana atual.

Regulamentar o futuro: um convite à governança interna (e à ISO 42001)

A discussão sobre regulamentação da IA é urgente e complexa. Enquanto debates nacionais e internacionais se arrastam, muitas vezes focados em proibições ou em um temor paralisante, há um caminho mais pragmático e imediato que cada editora e empresa pode trilhar: a autorregulação e a governança interna.

E aqui, não estamos falando de achismos ou do simples e confortável não. Já existem instrumentos profissionais para isso. A norma ISO 42001, por exemplo, oferece um sistema de gestão específico para a Inteligência Artificial, ajudando organizações a implementar a IA de forma responsável, ética e eficaz.

Adotar uma norma como a ISO 42001 não é apenas uma questão de compliance ou de evitar riscos. É uma declaração de maturidade. Significa que a editora reconhece a IA como uma força transformadora e está disposta a investir em processos para compreendê-la, geri-la e, alinhar seu uso aos seus valores e objetivos estratégicos. Isso envolve definir princípios éticos claros, estabelecer responsabilidades, treinar equipes e criar mecanismos de supervisão. É preparar o terreno interno para um futuro onde a IA será onipresente e muito mais poderosa do que hoje. Essa governança interna é crucial não apenas para o uso ético, mas para construir confiança com autores, leitores e a sociedade em geral.

Desafios que inspiram e não paralisam

As previsões do "AI 2027" podem ser assustadoras. A ideia de uma IA superando a capacidade humana em múltiplas frentes em poucos anos nos traz desconforto ao ponto de ser questionada por muitos. No entanto, o medo não pode ser nosso guia. A história da tecnologia é uma história de disrupções que, embora inicialmente ameaçadoras, abriram novas possibilidades. A questão não é se a IA avançará, mas como nós, como indivíduos e como setor, nos posicionamos diante deste avanço.

Pessoalmente, não acredito que a abordagem deva ser a de tentar frear o desenvolvimento tecnológico mas de nos empoderarmos com ele. Precisamos transformar o potencial disruptivo da IA em uma força para a inovação e a qualificação do nosso trabalho. Isso exige curiosidade, aprendizado contínuo e, acima de tudo, uma mentalidade proativa. Os desafios apresentados pela IA devem nos motivar a buscar soluções criativas, a repensar nossos processos e a encontrar novas formas de agregar valor.

Navegando na periferia: a situação brasileira

Para um país como o Brasil, situado na periferia do desenvolvimento tecnológico de ponta, esse desafio é ainda mais difícil. Não estamos na frente da criação dos grandes modelos de linguagem nem temos o mesmo volume de investimento em pesquisa e desenvolvimento que as potências globais. Essa realidade poderia levar a uma sensação de impotência, mas ela deve, ao contrário, reforçar a urgência de uma estratégia lúcida e clara.

Se não podemos ditar o ritmo da inovação, podemos nos tornar bons na sua aplicação inteligente e adaptada à nossa realidade. Isso significa fomentar um ecossistema de aprendizado e experimentação, capacitar nossos profissionais não apenas para usar ferramentas prontas, mas para entender seus princípios e limitações. Significa, também, participar ativamente das discussões globais sobre ética e governança da IA, trazendo nossa perspectiva e defendendo nossos interesses. Ignorar o avanço da IA ou adotá-la ivamente são duas faces da mesma moeda e apenas nos deixará em uma posição ainda mais subalterna no cenário mundial. A paralisia, neste caso, é a receita para ficarmos ainda mais para trás.

Além do modismo: cinco os para as editoras mergulharem de cabeça (e com estratégia) na era da IA

O momento pede mais do que apenas surfar a onda do hype ou temer o desconhecido. Pede ação estratégica e aprendizado contínuo. Aqui estão cinco sugestões práticas para editoras que desejam não apenas sobreviver, mas prosperar na era da IA:

  1. Aprofundar o conhecimento: Não basta saber usar o ChatGPT ou o Adobe Firefly. É fundamental entender os fundamentos da IA: como os modelos são treinados, quais são seus vieses inerentes (e como eles refletem os nossos), o que são "alucinações", as limitações de cada tecnologia. Isso envolve promover workshops internos, convidar especialistas, incentivar a leitura de artigos e relatórios como o "AI 2027" ou a ISO 42001 ou os tantos documentos publicados pela ONU. Um conhecimento mais profundo permite um uso mais crítico, criativo e, sobretudo, estratégico das ferramentas. Não se trata de formar programadores, mas gestores e criadores conscientes do poder e das armadilhas da tecnologia.
  2. Criar um comitê de IA (mesmo que seja um "Eu-Comitê"): Designar uma pessoa ou um pequeno grupo multidisciplinar para liderar a reflexão e a implementação da IA na editora. Este comitê seria responsável por estudar a ISO 42001, mapear os processos editoriais onde a IA pode agregar valor (ou apresentar riscos), propor projetos-piloto e, fundamentalmente, disseminar o conhecimento e as boas práticas pela organização. Mesmo em editoras pequenas, ter um ponto focal dedicado a pensar estrategicamente a IA é um o essencial para sair da reatividade.
  3. Debater o "AI 2027" (e similares) com seriedade e pragmatismo: Ler o relatório não como uma obra de ficção, mas como um catalisador para discussões internas. Quais dos cenários apresentados parecem mais plausíveis para o nosso nicho? Como nossas operações, nossos autores e nossos leitores seriam afetados? Que tipo de editora queremos ser em 2027, à luz dessas possibilidades? Essas discussões não devem buscar respostas definitivas, mas sim preparar a mentalidade da equipe para a adaptabilidade e para a construção ativa do futuro da editora, em vez de simplesmente reagir a ele.
  4. Experimentar, errar, aprender e compartilhar: A teoria é importante, mas a prática é soberana. É fundamental criar espaços seguros para experimentar diferentes ferramentas de IA em tarefas reais. Comece pequeno, com projetos-piloto. E, crucialmente, compartilhe os aprendizados – tanto os sucessos quanto os fracassos. O momento atual da IA não é sobre guardar segredos tecnológicos como um diferencial competitivo exclusivo. A IA, em muitos aspectos, está se tornando uma commodity, como a energia elétrica. O verdadeiro diferencial não está em ter o à IA, mas em como ela é integrada aos processos, à cultura e à estratégia da empresa. Compartilhar experiências dentro do setor pode acelerar a curva de aprendizado de todos.
  5. Repensar o papel educador e ampliar horizontes de formatos: O mercado editorial tem um papel fundamental na disseminação do conhecimento e na formação cultural da sociedade. Com a IA, esse papel pode ser ampliado e ressignificado. Em vez de ver a IA apenas como uma ameaça ao conteúdo tradicional, podemos explorá-la para criar novas formas de engajamento, aprendizado personalizado e ibilidade. Isso pode envolver a cocriação de conteúdos interativos, a adaptação de obras para diferentes formatos (áudio, vídeo, experiências imersivas) ou o desenvolvimento de ferramentas que auxiliem no processo de leitura e compreensão. Não se trata de abandonar o livro impresso, mas de reconhecer que o conteúdo pode e deve fluir por múltiplos canais para alcançar diferentes públicos de maneiras inovadoras.

O futuro não espera, mas pode ser moldado

O relatório "AI 2027" nos lembra que o futuro está chegando mais rápido do que imaginamos. A Inteligência Artificial não é apenas uma nova ferramenta; é uma plataforma tecnológica que está reconfigurando a maneira como criamos, consumimos e interagimos com a informação e a cultura. Para o mercado editorial, isso representa tanto um desafio existencial quanto uma oportunidade sem precedentes.

Ignorar essa transformação não é uma opção. Tampouco é reagir com medo ou com um entusiasmo acrítico. O caminho é o do engajamento profundo, da reflexão estratégica e da ação corajosa. As editoras que prosperarem serão aquelas que não apenas adotarem a IA, mas que a compreenderem, a questionarem e a integrarem de forma inteligente e ética em sua missão de conectar autores e leitores, de promover o conhecimento e de enriquecer o debate cultural. O futuro não está escrito. Ele está sendo construído agora. E o mercado editorial tem um papel fundamental a desempenhar nessa construção

Links úteis:

* José Fernando Tavares é especialista em Publicações Digitais e produtos digitais com mais de 14 anos de experiência no mercado editorial, especializado em tecnologia para negócios e Inteligência Artificial para produtividade. Em 2014, fundou a Booknando, empresa especializada em publicações digitais e livros íveis. No ano ado, criou a Volyo Audiobooks, focada na produção de audiolivros com uso de Inteligência Artificial. Com formação humanística, busca utilizar a tecnologia para melhorar o mundo. Tem paixão por vinhos e pelo aprendizado diário.

**Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

[26/05/2025 10:44:34]
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